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Confissões/Filosofadas/Reflexões

Você é milionário?

Posted by Edgar on

Você é milionário, perguntou-me o menino que brincava no parque. Milionário, eu? Porque você acha isso, perguntei ao garoto. Esse seu óculos é de milionário, respondeu com naturalidade. Eu estava com um desses óculos de bancas de shopping, longe de ser de milionário… a não ser que o menino estivesse se referindo ao Milionário da dupla sertaneja! Ele estava só, brincava com um galho fino de algum arbusto. Você mora no meu prédio, eu disse ao garoto. Naquele, apontou com o arbusto enquanto seu rosto tentava fugir do sol que o ofuscava. Sim, aquele. Você é meu vizinho. É, eu já te vi por lá. Bom, eu vou embora, e estendi a mão em sinal de cumprimento. Você vai dar uma volta, disse ele apertando dois de meus dedos, pois sua pequena mão não dava conta da minha. Sim, vou andar um pouco. Tchau. Tchau.

Caminhei alguns metros até a portaria pensando que um dia eu já fui como aquele garoto. Uma simples criança brincando sozinha num canto qualquer. Uma criança com uma imaginação milionária. Talvez ele tenha visto em algum filme ou novela algum bacana bom de grana com um óculos igual o meu, talvez ele apenas tenha inventado de usar a palavra milionário com o primeiro transeunte que desse a sorte de cruzar a luta de espadas que ele encenava com o pequeno galho pouco antes de me notar. Talvez ele apenas quisesse puxar papo. Há, ainda, a chance de um LP de Milionário e José Rico estar dando sopa na casa de uma das avós. Muitas possibilidade…

Possibilidades. É, um dia eu já fui como ele. Hoje sou o vizinho antissocial que mal sabe o nome das pessoas que moram no meu andar. Hoje sou o professor que nunca guarda o nome dos seus alunos. Hoje sou apenas mais um dentre milhares de pequenos escritores que de quando em quando joga na grande rede um punhado de letras, um bocadinho de palavras. As trilhas seguidas até aqui foram tantas, mas não era disso que eu quero falar.

Certa vez, caminhando pelas areias da praia de Mongaguá, encontrei uma garota que havia estudado comigo em alguma série que me escapa neste momento. Eram uma época difícil para mim, por sorte, minha tia/madrinha me deixava ficar na sua casa no litoral enquanto ela viajava com o filho. Época em que eu não tinha a menor ideia do meu futuro. Péssimo aluno, sem muitos amigos, sem planos ou projetos claros para o futuro, eu apenas existia. Naquela tarde, caminhando sem pensar em nada, catando uma ou outra concha quebrada na areia, esbarrei com ela. Oi. Oi. Passando as férias aqui também? Pois é. Eu estou naquele prédio, e você. Ali. Vai na feirinha hoje a noite? Acenei que sim com a cabeça. Legal, a gente se vê, então. Ela se aproximou e beijou meu rosto. Tchau. Tchau.

Dias atrás, um amigo me indicou para umas aulas. Respondi o email. Marcou-se uma reunião. É engraçado como mesmo depois de 21 anos de sala de aula, eu ainda fico nervoso em uma entrevista. Boa tarde, apertos de mão. Me fale da sua experiência. Já fiz um pouco disso, um pouco daquilo. Esta é a ementa. Tranquilo, já leciono esses conteúdos. As aulas são tal dia. Puxa, tal dia não posso. Ah, que pena, queríamos que você trabalhasse conosco. Quem sabe semestre que vem. Entramos em contato. Até logo. Até logo.

Um dia eu acordei convicto de uma coisa. Coisa besta, obviamente. Fui até uma loja de brinquedos e compre um jipe de controle remoto. Mal a luz da bateria mudou de vermelha para verde e lá estava eu, no quintal, fazendo o jipe zero-bala capotar no concreto, na grama, no porcelanato da sala. Olhei para a câmera digital e um “e se” iluminou-se na mente. Um pouco de durex e fita isolante e o jipe agora gravava o seu trajeto. Eu acho que o video ainda está no youtube…

Ela desceu as escadas em silêncio. A família toda dormia nos quartos de cima, eu me ajeitava com o sofá da sala. Era dia de eu ir embora. Ela tinha uma lágrima nos olhos. Eu sabia, aquela seria a última vez que eu dormiria naquele sofá. Tudo passa, diria Heráclito, mas nessa época eu ainda não o conhecia. Fiquei na rodoviária, com cara de choro. Perdi o primeiro ônibus. O próximo só às 16h. Fui andar pela orla.

Uma madrugada de conversa mediados por telas e teclados. Uma outra madrugada em meio a outras centenas de pessoas, igualmente de conversa. Na primeira madrugada falamos de coisas como se fossemos amigos de longa data. Na segunda, tentávamos não demonstrar que era, tecnicamente, a segunda vez que nos víamos. Hoje deixo meus chinelos na sua casa.

É, carinha. Preciso te dizer uma coisa. Sim, eu sou milionário. Não de dinheiro, mas de possibilidades. Talvez seja isso que eu diga ao menino que mora no meu andar. Talvez não, talvez apenas deixe ele viver as possibilidades dele. Talvez.

E.

Confissões/Reflexões

Ponto de fuga

Posted by Edgar on

Porque cada início
é só continuação,
e o livro das ocorrências
está sempre aberto ao meio.

Wislawa Szymborska

Não se engane, ponto de fuga é onde as coisas se encontram… lá na perspectiva, o ponto de fuga é aquele lugar para o qual retas paralelas convergem. Tá certo, você vai me dizer que as retas paralelas nunca se encontram, afinal, por serem paralelas, tendem ao infinito sem nunca se encontrarem, dirá ainda que o ponto de fuga é um elemento representativo de um espaço tridimensional numa superfície bidimensional, blá, blá, blá… é, talvez você tenha razão! Talvez não… será?

Bem, pessoas não são objetos geométricos. Pessoas se encontram. Pessoas se desencontram. Às vezes os pontos de fuga são exatamente o que um mal entendedor de geometria entende, uma porta de escape, uma brecha no espaço para, como dizia o leão naquele antigo desenho, um saída estratégica pela esquerda (calma, amigo, nada que ver com política).

Nessa longa estrada da vida já me desencontrei diversas vezes. Diversas vezes perdi o rumo, fugi. Noutras a vida simplesmente me pôs para correr. E, sejamos honestos, houve vezes em que eu fiquei inerte, vendo a vida passar tão rápido quanto o trem observado num dos exemplos teóricos daquele cientista descabelado, o Einstein. Tudo é relativo. Por isso, a perspectiva na geometria necessita de um ponto de fuga, um local para onde tudo converge…

Bom, pessoas encontram-se. Às vezes, pessoas vão de encontro umas ás outras. Noutras vezes, vão ao encontro. Lembro daquela aula no mestrado, aquela na qual o professor explicava a diferença de ir de encontro e de ir ao encontro. Ele fazia gestos didáticos com as mãos, enfatizando que ir de encontro era chocar-se e, por outro lado, ir ao encontro era unir-se. Eu, lá no fundo da sala, pensava “mas isso é tão óbvio, por quê ele está explicando isso?”. Ele queira mostrar que no estudo de teorias e pensadores, existem ideias que vão de encontro e ideias que vão ao encontro… pessoas também.

Já bati de frente com muito caboclo por essas bandas. Houve um tempo em que nos degladiávamos atrás de pipas munidos de nossas latas de óleo de cozinha, verdadeiras luvas de boxe metálicas capazes de fazer sorrir os dentistas do bairro com tantos dentes quebrados nas bocas de moleques arruaceiros. Eu era um deles. Já fui de encontro com gente na escola, no trabalho, na vida… hoje ando devagar, atento às manhas e às manhãs. Se for pra dar de cara, que seja a 5km/h e sem latas de óleo Lizza.

Já encontrei muita gente que me fez sofrer, gente que me fez chorar. Acredite, agora eu sei. Mas nem tudo na vida são dores. Já encontrei gente fantástica. Gente incrível. Gente extraordinária. Algumas aquela dama da foice levou. Outras simplesmente estão por ai, em outras paisagens. Pois a vida nos leva, nos traz. Lembre-se, meu caro, minha cara, para cada ponto de fuga, há um ponto de vista. Vemos a cena de um ângulo e, se o ângulo muda, muda o ponto de fuga. O lugar para onde tudo converge é relativo. Santo Einstein!

Lá na física do muito pequeno, das coisas quânticas, uns caras com nomes difíceis disseram sobre a incerteza. O ponto de fuga pode fugir às regras. Talvez nada convirja (confesso, precisei consultar o dicionário para conjugar o verbo convergir). Talvez o ponto de fuga seja só um artifício, uma esperança de que lá onde termina o arco-íris haja um pote de ouro. Que retas paralelas um dia se cruzem, ainda que para isso tenhamos que abdicar de Euclides e flertar com Boole. Ainda que tenhamos que descartar Descartes e salpicar a vida de Morin… já disse o Pessoa, citando Sagres: viver não é preciso!

Bom, você deve estar pensando “para onde tudo isso converge?”, já que o título do palavrório de hoje é Ponto de Fuga… pois bem, gafanhoto, converge para os olhos castanhos que me fitam em manhãs preguiçosas. Manhãs cheias de manha, de café de cápsula em canecas roubadas (uma delas, ao menos). Minha reta um dia cruzou com a dela e, pode espernear o quanto quiser, seguem paralelas e enroscadas, como o cabo de energia do secador dela, que eu consertei dia desses. Entrelaçadas num emaranhado quântico. Unidas por uma força que nem Einstein e nem sua gravidade explicam. Meu ponto de fuga é uma pessoa. E nela eu converjo, cortejo, convivo, conjugo, comungo, completamente nem ai com a geometria ou com a física ou com as grandes questões que assolam a humanidade.

Duvida? Bem, está tudo lá, no livro das ocorrências… 😉

E.

Reflexões

Ordinário…

Posted by Edgar on

O fantasma de Hume me assombra. Impressões, nada mais há que impressões. A solidez das minhas ideias se desmancha na profundidade daquele olhar. Ordinariamente, o sol nasce todos os dias.

O banho é o catalisador das minhas epifanias. A água morna que desce pelos ombros, o som desritmado das gotas atingem o piso, os fractais de respingos no box, panos de fundo de um processo maior: o turbilhão de fragmentos de uma noite, uma madrugada, um alvorecer. Cylon, eu não passo de um maldito cylon humano.

Ser ou não ser, eis a questão. Eu li Shakespeare na faculdade. Lembro menos da obra que da minha professora de literatura inglesa. Ela era jovem, bonita, inteligente. Antes de Shakespeare, em literatura norte-americana, fiz uma análise sobre um conto do meu xará Edgar Allan Poe. Devorei as páginas de Manuscrito Encontrado Numa Garrafa, cavei fundo a biblioteca da faculdade, não havia Google naqueles tempos, dei minha alma ao trabalho. No dia da apresentação, enquanto as colegas de classe me davam parabéns, a professora me olhou, colocou a mão no queixo em sinal de pausa, e cravou a minha sentença de morte: Edgar, eu esperava mais de você. Dramático? Sim, shakespeariano!

O príncipe atormentado, Hamlet, me atormentou. Quisera eu ser Horácio para dizer-lhe, foda-se Hamlet. Edgar Allan Poe me persegue até hoje, mas Shakespeare eu abandonei. Atormentado pela decepção da minha professora, nunca tive a coragem de lhe perguntar: o que raios você esperava de mim? De mim? Justo de mim? Ser ou não ser, acabei no teatro. Por circunstâncias que ficarão para outro texto, embarquei numa trupe teatral. Nada de Shakespeare, apenas Veríssimo, o filho. Numa noite de bebedeira com os caras da trupe, encontrei a minha professora com a trupe dela num desses bares da vida. Ela se levantou ao me ver, me chamou e me apresentou às pessoas da mesa: Edgar, o único da turma dele que teve 10 comigo. Aqui já estávamos em literatura inglesa. Não sei o que eu fiz com aquela prova sobre Hamlet, mas aquele 10 era tão ordinário quanto eu mesmo. Meu 10 estava em um manuscrito a ser encontrado numa garrafa.

Epifania, era sobre isso que eu falava. O banho, momento máximo das minhas epifanias. Battlestar Galactica está longe de ser tão notória quanto Hamlet, mas há dilemas que são universais, afinal, não é isso que torna algo clássico, a universalidade? Cylons humanos não sabem que são cylons, eles não sabem que são máquinas biológicas construídas por humanos de verdade (verdade?). Eles apenas pensam que são humanos e, como tais, que são especiais. E, meu amigo, existe uma grande distância entre se achar especial e ser especial. Ser ou não ser, eis a questão.

Ainda que a cena não seja essa, alguém aponta o dedo na sua cara. Te tira da sua confortável posição, ou, na ficcional Battlestar Galactica, um laser disparado no meio do seu peito e… bum! você renasce numa nave-de-ressureição e, em meio a fluídos e cabos, se percebe cylon. Com pele, ossos e um rosto atraente, mas nada mais que um cylon.

O problema das epifanias: elas estalam feito pipoca! Pá, pum, lá está ela… mas vai levar tempo, muito tempo para eu digerir o eco desse estalo.

E.

Filosofadas/Reflexões

Ações e Reações…

Posted by Edgar on

Ainda que não possamos ver, cada tênue movimento de nossos corpos desloca o ar em nossa volta. Sutil, todo movimento reverbera. Aprendi isso ainda jovem, quando um passo em falso me lançou contra quase um tonelada em movimento. O impacto desligou-me. Mas não era disso que eu queria falar.

Agir por impulso, dizem os oráculos, é uma característica dos da minha espécie. Impulsos é a quantidade de movimento de um objeto, por sua vez, esse movimento é resultante da aplicação de uma força. Física básica, mas eu não manjo nada de física, ou quase nada.

O que nos move? O que te impulsiona? Dinheiro, fama, poder, sexo, amor, solidariedade, dó, compaixão, raiva, ódio… o que te empurra para o abismo? Abismo? Sim, parece trágico. Poderia ser ao paraíso, mas eu duvido que o paraíso exista, o impulso para às portas do céu, se eficiente, nos deixará em órbita, sem controle; se ineficiente, nos fará cair na mesma velocidade, uma queda impactante, eu diria… devagar, divagando!

Ando em conflito com minha natureza impulsiva. Ando pensando mais, ponderando, calculando… sinais de velhice, dirão uns. Sinais de muitas cicatrizes, dirão outros. Mimimi, dirá a maioria. Pois nada mais conveniente à maioria que fórmulas mágicas para os problemas alheios. Quem quer vai e faz. Segura na mão de deus. É melhor se arrepender do que fez que do que não fez… blá blá blá. Quando é o seu buraco, sempre o buraco é mais embaixo… buraco, abismo, sacou?

Então, me chame de covarde. Pois a covardia é outro nome para a sabedoria. Mentira, não é. Mas daria um bom ditado popular, desses que muita gente inadvertidamente copia e cola. A covardia é um reflexo. Uma reação. Há sempre um algo que desperta o covarde. Dito de outra forma, só se é covarde perante uma ação. Isolada, a covardia não existe. O mesmo vale para a coragem. Mas este texto não é sobre coragem.

Um dos males de quem se mete a programar computadores é pensar de forma lógica. Bom, nem todos. A maioria, talvez. São tantos desvios condicionais que você se pega fazendo não só o algoritmo da coisa, mas aplicando no mesmo um teste de mesa, debugando, para ser mais contemporâneo. Mas a gente sempre esquece de um ponto-e-vírgula. Chega, esse papo está ficando muito restrito.

Emoções são cavalos selvagens. Eu li isso num livro do Paulo Coelho (mea culpa, vou me chibatar, já volto).

Quando você monta um cavalo selvagem, já era, não há rédeas, ele simplesmente faz o que quer. E você, amigão, já era. Eu só nunca compreendi como se monta um cavalo selvagem, pois, em tese, ele há de disparar antes de você subir nele, não depois… bem, olha o programador analisando a coisa…

O movimento do outro produz reverberações. Tudo repercute. Cada ato nosso provoca um abalo sísmico ao nosso redor. Isso afeta a quem nos cerca e, por sua vez, quem nos cerca, ao reagir, provoca novos abalos. A vida é um pêndulo oscilando… e o pulso, ainda pulsa.

Eu olho em volta e vejo múltiplos pontos ondulatórios reverberando próximos ao meu centro de gravidade. Sinto-os todos, todos me afetam. Mas nem todos me impulsionam. O que me move?

Bem, não era sobre nada disso que eu queria dizer.

E.

Crônicas/Reflexões

Andanças…

Posted by Edgar on

O caminho é sempre o mesmo. A playlist vai ao sabor da aleatoriedade. As pessoas nos carros olham-me com um ar indignado. Elas lá, presas em seus ares condicionados, eu cá, em meio a manhã, vagando… Há uma fábrica no meio do caminho. Caminhões, operários, o cheio de óleo diesel misturam-se com a brisa gelada. Ao meu lado, um estudante. Sua mochila pesa mais que o necessário. O volume da música é baixo, assim posso ouvir o som de meus passos. As folhas de bambu balançam ao vento. Uma senhora cruza meu caminho. Seu olhar cruza o meu. Um olhar sofrido. Aceno timidamente com a cabeça, como que diz bom dia sem mover os lábios. Ela retribui mais timidamente ainda e aperta o passo. Ao longe, vejo-a subir no ônibus. Vejo copos de papel pelo gramado. Um maço de cigarros vazio. Uma embalagem de sorvete. Penso no que eu disse outro dia a um grupo de jovens, sobre porque jogamos lixo nas ruas. Quando dou pro mim, já estou novamente entre os bambuzais. As folhas rodopiam no chão, misturam-se à areia. Outros dois estudantes dividem o trecho comigo. Suas mochilas também parecem pesar mais que o necessário. Conversam sobre algo que não consigo compreender, suas palavras misturam-se à letra da música que ouço. A música fala de um amor qualquer. Os estudantes riem. Há uma cumplicidade. No serás capaz de odiarme. Enquanto o refrão da música me faz pensar em tantas coisas já vividas, os estudantes seguem em frente. Eu faço a curva. Pelos vidros vejo as estantes, os livros. Entrei poucas vezes naquela biblioteca. Deveria entrar mais, penso. A playlist joga com minhas ideias. As pernas seguem o trajeto. Olho para a bandeira que tremula. Janelas de escritórios, gabinetes. O centro de poder é feito de concreto e vidro, a biblioteca de vidro e metal. O lago é falso. Artificial. Mas não deixa de ser belo. As ondulações da água refletem o tímido sol que se esconde atrás de nuvens. A timidez do sol, a minha timidez, a timidez daquela senhora. O farol está vermelho para mim. Me obriga a parar. As pessoas nos carros continuam a me olhar com indignação. Luz verde, cruzo a avenida. Vejo o apresentador do jornal chegando à TV. Seu rosto é familiar. Mas não faço ideia de sua vida, de sua trajetória, de quem seja. Penso em quantas pessoas realmente me conhecem. 4 Non Blondes começa a tocar. Banda de uma música só. O cheio de diesel continua no ar, a fábrica e os caminhões olham para mim e me perguntam: what’s going on? Ou será a música? Em frente a universidade pública, um carro se joga contra mim. E me xinga. Ousadia minha transitar justo na hora que sua máquina e sua pressa cruzam a calçada. O susto me traz de volta sem que eu pudesse responder à fábrica, aos caminhões ou à música. A portaria do condomínio está, agora, a poucos metros. Retiro os fones de ouvido e um estranho silêncio se faz…

Reflexões

Apenas mais um texto escrito na madrugada…

Posted by Edgar on

A gente encontra insights nos momentos mais inesperados. Às vezes, de pessoas inesperadas. Curioso.

Fechei uma janela e abri outra. Ou seriam abas do navegador? Pouco importa. Enquanto o cão que late todas as madrugadas segue fiel a sua tarefa, eu olho pela janela do apartamento e vejo as luzes que iluminam a deserta avenida. A janela do apartamento, a janela do computador. Janelas… através das janelas podemos ver e apenas ver. A luz âmbar envolve-se no sereno da madrugada, cria um efeito leitoso, um facho se abre. Não posso tocá-la, para isso seria preciso estar lá e não aqui.

Janelas! Escrever é um ato solitário. Mas é, ao mesmo tempo, uma conexão. Raramente escrevo pensando em quem vai ler o que eu escrevo, embora eu saiba que, eventualmente, alguém lerá. O que eu quero dizer é que raramente escrevo pensando em um leitor. Raramente…

Janelas… um carro passa pela avenida. Teria seu motorista reparado que há uma janela acesa (ao menos uma, a minha, supondo que as demais estejam, como manda o ritmo da noite, apagadas… divagações). A vida acontece em tantas instâncias, o aparente deserto da avenida é só um momento. Fugaz momento, daqui algumas horas estará cheia de pessoas indo e vindo… pessoas indo e vindo.

Certa vez, numa palestra sobre Epicuro, ouvi a frase “depois de uma certa idade, acumular amigos é melhor que acumular dinheiro”. Eu não me recordo o contexto em que foi dita, mas era a defesa de um argumento, pouco importa. Na época concordei. Hoje, tenho minhas ressalvas. Acumular não me parece o termo certo. Amigos vêm e vão, são como as pessoas na avenida, indo e vindo… E há momentos desertos também.

Cultivar. Cuidar. Querer… verbos. Acho que o cão cansou, ou o seu latido já não me incomoda mais. Perdeu-se ao fundo. O céu lá fora começa a ganhar novas cores. Logo amanhece. Logo eu fecho as cortinas e adormeço no sofá. Ou a bateria do computador acaba, das duas uma… não sei se conseguirei terminar este texto. Não sei que fim ele poderia ter.

Talvez deixe-o em aberto…

Reflexões

dualidades, dualismos, duelos…

Posted by Edgar on

Fiat lux! E, separada das tervas, a luz se fez. Se fez? Fez-se a si mesma? Ou foi feita? Pouco importa, não era sobre isso que eu queria escrever…

Há dias que a noite nos convida ao abandono da rotina, nos convida à inversão dos horários e, ainda que tentemos negar, sucumbimos. Há dias em que a noite é nossa melhor amiga. Há dias que não. Dias e noites, dualidades.

Dualidades são a base do pensamento ocidental. Não necessariamente opostas, como quer o maniqueísmo de alguns, não necessariamente complementares, como quer a filosofia de outros. Dualismos, duelos… disputas binárias entre lados, colados ou opostos, afinal, extrema se tangunt, pero no mucho.

Às vezes minha mente divaga. E um riso interno se desponta, “às vezes”? Divagar é o caminhar distraído da mente por si mesma, uma condição de sua existência, eu diria. Mas eu dizer algo e nada é quase o mesmo, afinal, quem sou eu? Um zé qualquer… mentira, para ser zé teria, antes, de ser José, o que não é o caso. Devagar, seu Edgar. Ou dêgar, como se diz na minha família, ou em parte dela… dê-vá-gar… divagar, divagando… pobres almas que me lêem.

Should I stay or should I go. The Clash. Quando a banda se chama “the clash”, pouco importa se vou ou se fico, o impacto é certeiro. Irônico. Intencional. Vá saber. A grande vantagem da semiótica é ver o que se quiser ver. Me lembro de uma aula no mestrado. Nela o professor dizia que, uma vez terminado o texto, ele não nos pertence mais. Cada um lê o que quer ler. Na aula o professor citava alguém cujo o nome me escapa, alguém que ao ler uma resenha sobre um livro seu disse “eu não disse nada disso”. Desvios, afinal, não era disso que eu queria falar.

Hell or High Water? Essa é do KISS. Tocou justamente enquanto eu escrevia o parágrafo acima. Ironia? Intencional? Vá saber… segundo o oráculo, a expressão hell or high water pode ser traduzida por chova ou faça sol, doesn’t matter, como diria meu amigo Rafael. Dualismos reduzidos a um corolário. Duelamos cotidianamente. Entre isso ou aquilo. Entretanto, há quem diga que as coisas não são simples assim, preto no branco… existem os 50 tons de cinza. 50? Só 50? Ilusões, os tons, sejam de cinza, sejam de lilás, verde ou da sua cor preferida, são meras variações de luminosidade… mais luz, mais claro, menos luz, mais escuro… o degradê é apenas um efeito da luz sobre a cor. Luz? Não foi com isso que eu comecei o texto? Faça-se a luz…

Se você me acompanha até aqui, já deveria ter deixado isso de lado e ir fazer algo útil de sua vida. Ah, dualidades… Útil, inútil. Há quem ganhe a vida num fretado para outra cidade, há quem a perca nele. Eu já vivi essa vida. Dualidades, duas cidades, o trabalho útil, o sentimento inútil. Nessa época eu tinha um walkman e uma fita K7 do Bruce Springsteen. Todos os dias, úteis, com a cabeça colada no vidro sujo do ônibus, eu ouvia The River sem prestar muita atenção na letra. “Now all them things that seemed so important / Well mister they vanished right into the air“. Um dia decidi abandonar o rio. Tolo, nessa época eu ainda não conhecia Heráclito. O rio nunca é o mesmo, mas é sempre um rio.

Rio. Rio de mim mesmo. Muitas vezes. Rir de si mesmo é um santo remédio. Há quem se leve muito a sério. E, por favor, não confunda fazer as coisas com seriedade com ser sério. Há uma fundamental diferença. Rir de si mesmo é um exercício de auto conhecimento, coisa socrática, mas ai eu teria de explicar Sócrates, e, na moral, não estou afim.

Fim.

😉

Confissões/Reflexões

O som do silêncio…

Posted by Edgar on

And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more
People talking without speaking
People hearing without listening

The sound of silence, Simon & Garfunkel

Olá blog, meu velho amigo.

Meu silêncio te constrange, eu sei. Ultimamente tem sido mais fácil escrever nos murais sociais, expostos, postos de vigilância, locais de fácil acesso e fácil digestão. Locais onde o silêncio se implanta. Aquele silêncio tão profundo que o seu som se perde. Hoje eu acordei com o som daquele silêncio ecoando na minha mente. Na verdade, blog, eu o tenho ouvido em muitas manhãs. Sobretudo nessas últimas manhãs frias de um quase inverno, atípico, que nos soterra nas cobertas e draga toda a vontade de explorar o mundo. Nessas manhãs, imerso em meus pensamentos, o som pulsa mais forte. Perturbá-lo requer mais do que estamos dispostos a dar… tenho ouvido muito essa antiga canção. Já a ouvi muitas e muitas vezes desde minha adolescência, mas poucas vezes parei para escutá-la. Talvez hoje, blog, eu tenha melhores ouvidos para escutá-la. Seria uma forma poética de me confortar, mas isso não passa de uma bela mentira. Hoje, blog, o que eu tenho é um acumulo de imagens vistas nas ruelas de paralelepípedos que eu percorri. Imagens de uma vida que só coube a mim viver. Imagens e escuridão. Essa canção, The Sound of Silence, fala de coisas que eu custei a entender. Coisas que eu frequentemente esqueço. Por isso, caro blog, me desculpe a ausência, mas eu vim conversar com você novamente.

Há um emaranhado de coisas que brotam da mente. Um turbilhão de pensamentos que jamais serão registrados. Ideias que jamais ganharão corpo. E, no fundo, a pergunta que se desdobra em minha mente é: e que importância isso tem? Nenhuma? Pouca? Não sei. Talvez seja tudo uma questão de escala. No meu microcosmo, há muito o que dizer, mas hoje é um daqueles domingos em que eu acordo flutuando na imensidão do espaço sideral, onde a Terra é nada mais que um pálido ponto azul perdido entre tantos outros pontos de luz. Pontos que meu olhar insiste em ignorar, pois é a escuridão profunda do espaço que me chama à atenção. A matéria escura, os buracos negros. Nessa escala, nada do que eu tenho a dizer importa. Bilhões de anos me separam de uma singularidade. Trilhões de estrelas nascem e morrem sem que ninguém soubesse, saiba, ou venha a saber delas. O espaço é silencioso. E imerso nele, as palavras silenciam.

Assim como essas estrelas, a maioria de minhas ideias morrem dentro do meu microcosmo cerebral, sem que ninguém as ouça ou leia. E, sinceramente blog, isso pouco importa. Talvez o grande exercício da escrita seja o diálogo consigo mesmo. As pessoas, os outros, são apenas transeuntes numa avenida a qual todos transitam. Escritores de páginas que ninguém compartilha. Páginas que não se encontram nas listas telefônicas nem nos resultados do Google. Talvez, meu velho e caro blog, a única pessoa para a qual escrevemos é para nós mesmos. E isso me soa tão ridículo agora, pois você, blog, com quem eu converso agora, nem é uma pessoa. Talvez seja. Olá, escuridão.

O cursor piscando, as mãos sobrepostas sustentando o queixo. A tecla delete pressionada mais vezes que o desejado. A escrita me desafia. Olho para a janela e vejo as folhas verdes do grande parque que me cerca. Parque no qual eu deveria estar agora, respirando o ar fresco. Parque que ri dos meus cinquenta metros quadrados de espaço. Mas o parque também é um microcosmo insignificante diante da imensidão de um domingo como o que se forma dentro da minha mente. Alias, o parque é o refúgio de famílias corroídas pela poluição da cidade. Sorrisos falsos para fotos que irão passar a eternidade no cartão de memória. Falsos atletas que, como eu muitas vezes, diluem seus remorsos sedentários em duas voltas e pés sujos de terra. Falsos casais que desfilam de mãos dadas enquanto cobiçam os corpos que fazem cooper. Corpos falso, alias. O parque também está cheio do som do silêncio…

É, caro blog, foi bom te ver novamente.
Até um dia.

Reflexões

Por que alunos colam?

Posted by Edgar on

Lá estou eu na sala dos professores, ouvindo uma conversa tensa entre professores de um curso qualquer. A tensão gira ao redor de uma prova que foi fotografada e distribuída ao alunos de outro período. A maracutaia foi descoberta, na verdade intuída, a partir dos assombrosos 99% de notas máximas na referida avaliação. Propostas acaloradas pipocam na roda: do confisco de celulares e demais traquitanas tecnológicas ao uso de canetas transparentes, provas cifradas pelo número do RA e, por que não, colocar os alunos no ginásio, mantendo-os a 5 metros de distância uns dos outros. A cena seria cômica não fosse o real desespero daqueles professores. Inibir a cola a qualquer custo. De soslaio, eu observo a prova. 20 testes de múltipla escolha e duas questões dissertativas.

Existem inúmeras teorias e metodologias que dão conta, ou não, de discutir a avaliação escolar. Não vou entrar nessa seara. Por mais que eu tenha uma postura muito clara sobre o que vem a ser uma avaliação escolar, vou me abster de comentar. Vamos por outro caminho, vamos analisar essa criatura que habita as salas de aula, este ser que, ausente de luminosidade, rasteja no obscuro mundo da educação: o aluno. Alunos do tipo universitário, para fazer o recorte. O que são? Onde vivem? O quê comem? Hoje, neste blog…

Aluno é o “sem luz”. Etimologicamente, a palavra aluno designa aquele que não tem luz própria, logo, necessita de um mestre, um buda iluminado, um guia para a luz. Venha Carolyne, venha para a luz. Feito criaturas do limbo, poltergheisters aprisionados nas telas de seus aparatos tecnoilógicos, almas penadas e desencarnadas que não sabem exatamente onde estão, o que são e para onde vão.

O que leva um aluno, alguém que em tese está buscando uma formação profissional, uma qualificação que lhe renda melhores cargos, maiores salários ou, ainda que seja o caso, ainda que seja raro, satisfação pessoal, a colar numa prova? Pois, vejamos, a cola comporta duas dimensões: a menor delas, enganar o professor; a maior, enganar-se a si mesmo. A pergunta aqui proposta não comporta uma resposta simples. Meu amigo e xará, Edgar Morin, diria que a coisa é complexa.

Enganar, trapacear, burlar. Todos verbos conjugados no dia a dia. É possível que se conjugue-os, em certas circunstâncias, num sentido positivo, como se fosse licito enganar. Afinal, enganamos as crianças desde a tenra idade com mentiras como Papai Noel, Coelho da Páscoa etc. Alguns dirão não se tratar de engano, mas apenas de uma fabulação necessária ao desenvolvimento infantil. Polêmicas à parte, desde cedo aprendemos a enganar, a trapacear, a burlar. Trapaceamos nossos pais quando fingimos uma dor de barriga para não ir a escola, coisa que aprendemos com nossos pais, quando a mamãe compra um mimo na nossa frente e diz “não conte para o seu pai”, ai nasce o vínculo conivente, conviniente, cúmplice com o engodo. Salutar, em certo ponto. Nocivo quando desmedido. Voltemos à pergunta inicial.

Por quê alunos colam em provas que deveriam ser instrumentos de avaliação de sua performance escolar. Não seria de sumo interesse do aluno saber se ele está realmente aprendendo, se é que ele já não o sabe. Seria do interesse dos professores saber se estão conseguindo ensinar? Seria a prova o instrumento adequado para isso? Opa, eu disse que não iria entrar por essa seara… Desculpem-me.

Alunos colam porque seres humanos colam. E aqui cabe definir o que é colar. Acima, de forma inocente, dei a entender que colar é trapacear. Vejamos, se entendermos o verbo colar como o ato de consultar fonte ilícita de conhecimento, a saber, qualquer forma de conhecimento em suporte físico (papel, borracha, celular), bem como em suporte intangível, como a voz sussurrada do colega detrás, as piscadelas mnemônicas da garota do canto superior esquerdo, significando cada uma delas uma alternativa possível ou, ainda, o contato paranormal com entidades divinas. Se cada uma dessas formas de cola representa uma forma de trapaça, a cola está condenada e os coladores deverão arder no fogo dos infernos.

Por outro lado, se considerarmos a cola como o ato de recuperar algo que, submetido ao escrutínio da razão, pode nos ajudar a resolver uma questão, seja ela de ordem teórica, prática ou espiritual, então a cola é uma prática milenar, inscrita no DNA humano desde os primórdios, desde as cavernas, cenário das primeiras formas de registro de nosso conhecimento. Pierre Lévy, um filósofo que se mete a escrever sobre tecnologias, certa vez me disse, numa agradável tarde de verão, que as tecnologias são extensões de nós mesmos. Um caderno, daqueles que você guarda as senhas do banco, os telefones da tia Joana, as receitas de bolo da vovó Jurema ou os números fiscais da mercearia do seu Domingos, um caderno é um suporte tecnológico para a nossa memória. Tecnológico porque transformar árvores em folhas de papel não é magia, é tecnologia! Suporte porque nos ajuda, nos auxilia, guarda coisas que deixadas a cargo da memória, poderiam se perder. Oras, será que eu preciso me delongar? Não, voltemos à pergunta de um milhão de reais.

Alunos colam porque colar é inteligente. Ai ai ai… Vejamos, usar suportes tecnológicos para auxiliar nossa memória é uma ação inteligente. O caderno não pensa por nós. O livro de receitas da vovó Jurema não cozinha por nós. Ao invés de avaliar a capacidade de memorização dos alunos, as provas deveriam avaliar suas capacidades de, diante de múltiplos suportes tecnológicos, raciocinar sobre diversas fontes, teorias, dados e, analisando-os, comparando-os, confrontando-os, resolver problemas complexos, que demandam mais que saber a fórmula da água, o teorema de Pitágoras ou em que dia, mês e ano Dom Pedro II teve uma caganeira às margens do Ipiranga. Ai ai ai, falei demais…

Nessa mesma noite ajudei um colega professor a aplicar prova, a dele, com consulta, em duplas, com questões de compreensão e análise dos conteúdos tratados em aula junto dos conhecimentos trazidos pelos alunos. Todos colaram, todos consultaram seus cadernos, colegas, livros-texto, pais de santo e, sem que eles mesmos notassem, uma certa luminosidade se formou nos seus entornos… Deixaram de ser alunos!!

Até a próxima, poovooo.

Edgar.

Reflexões

Cansei de ser contrário.

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Quer saber? Matem todos. Matem essas crianças malditas que incomodam nos faróis. E quer saber? Matem todos, inclusive esses filhinhos de papai que se drogam nas baladas da high-society. Matem os malditos bandidos que assaltam nossas casas. E, quer saber mais? Matem os malditos políticos que assaltam nossos cofres públicos. Matem todos. Quer saber, cansei de ser contrário. Cansei de defender uma racionalidade cuja a qual se defecam toneladas de opiniões. Basta! Matem todos. Sim, todos. Pois eu cansei de ser contrário. Se bárbaro é aquilo que não se faz entre os seus, os meus querem a morte. Matem todos. E se sobrar um único alguém, que se mate. Cansei de ser contrário. Passo para o lado dos otários e, quem não gostar, mate-me.

Até o próximo texto.
Fênix