Reencontro…
Como todas as noites, executou seu ritual. Acendeu um cigarro e ajeitou o copo de uísque ao lado da velha máquina de escrever. Puxou uma folha em branco e a ajustou milimetricamente. Bateu a letra A ao mesmo tempo em que a campainha tocou.
– Você?
– Eu.
Seus olhares sustentaram um silêncio inevitável. Sua mente rodopiava entre lembranças supostamente enterradas. Ela segurava um meio sorriso entre os lábios. Meio sorriso que o aterrorizou. Quase cinco anos haviam se passado desde o dia em que ele a abandonou. Morto, você está morto para mim, foram as últimas palavras que ele ouvi daqueles lábios que agora quase lhe sorriam.
– O que você faz aqui?
– Me deixe entrar.
Pela fresta da porta ela podia ver, ao fundo, a coluna de fumaça do seu cigarro, a máquina, o copo. A mesa ainda estava no mesmo canto. Ele havia mudado pouco. Os cabelos ligeiramente mais curtos que o habitual. A barba por fazer e o cheiro de colônia misturado à nicotina. Notou que suas mãos haviam envelhecido mais que o rosto. A mão que segurava a porta como um bastião. A pressão dos dedos na madeira era visível, ele estava perturbado.
– Entrar? Sabe que horas são?
– Hora de conversarmos.
Morto, eu não estava morto para você? Em um diálogo imaginário, sua cabeça tentava dar conta de antecipar os movimentos que fatalmente o levariam à derrota. Durante os anos que seguiram após a noite em que ele simplesmente virou as costas e foi embora, nada soube dela. E quando soube, foi por um ou outro conhecido em comum. Ela já te odiou, agora apenas te ignora. Ignorava.
– Conversar sobre o quê?
– Sobre nós. Eu e você.
Ela sabia que haveria estranhamento. Tantos anos ignorando o homem que um dia lhe jurou amor eterno. O mesmo homem que a deixou sem nenhuma explicação. O homem que ela odiou no primeiro ano. O homem que ela esqueceu no segundo ano. O homem que, em anos seguintes, vez ou outra, cruzava com ela pelas ruas da cidade e lhe fazia ranger os dentes. O homem que agora a olhava como quem vê a própria Morte a bater-lhe a porta em meio a madrugada.
– Nós?
– Nós.
Afastou-se da porta e seguiu pelo corredor. Ela o seguiu. A sala continuava igual. Ele se ajeitou na poltrona próxima à janela. Entre os dedos, a antiga moeda de seu avô. Tinha a mania de movê-la entre os dedos quando algo o incomodava. Ela sentou-se. Cruzou as pernas enquanto alisava com as mãos o tecido do vestido que agora lhe caía sobre o divã de veludo carmim. Com a mão a lhe sustentar o queixo, olhava na direção oposta, onde os pequenos pontos de luz que iluminavam a cidade se misturavam às gotas d’água que escorriam pelos vidros retangulares da janela.
– Por que você me deixou?
– Por que você voltou?
Ela sorriu. Ele não. Um bilhete. Foi por um bilhete deixado sobre a penteadeira que ela soube que ela não voltaria. A caligrafia cuidadosa e a objetividade típica de quem não quer dar explicações. Acabou, preciso partir. Três palavras, uma vírgula e um ponto final. As iniciais do nome rabiscadas no canto do papel. Papel que ela trazia consigo. Papel que ela guardou para poder esquecê-lo. Um bilhete. Bilhete que ele escreveu no papel que costumava usar para datilografar suas ideias. Papel que não comportaria mais que três palavras. Como dizer o inevitável? A golpes de faca. Certeiros, pontuais.
– Te deixei porque eu já não te amava mais.
– Eu voltei porque ainda te amo.
Seus olhares sustentaram outro silêncio inevitável. Ainda me ama, as palavras dela ecoavam em sua mente enquanto observava os pequenos pontos de luz que iluminavam a cidade. Ainda te amo. Três palavras. Depois de tudo. Depois de tanto tempo. Como pode dizê-las? A golpes de faca. Certeiros, pontuais. A moeda rolou pelo chão, ao encontro de Caronte. Na janela, as gotas de sangue agora se misturavam às de chuva. Umas do lado de lá, outras do lado de cá. O copo de uísque vazio. A borda marcada de batom. A porta entreaberta e um rastro de perfume pelo corredor.