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Crônicas/Reflexões

Andanças…

Posted by Edgar on

O caminho é sempre o mesmo. A playlist vai ao sabor da aleatoriedade. As pessoas nos carros olham-me com um ar indignado. Elas lá, presas em seus ares condicionados, eu cá, em meio a manhã, vagando… Há uma fábrica no meio do caminho. Caminhões, operários, o cheio de óleo diesel misturam-se com a brisa gelada. Ao meu lado, um estudante. Sua mochila pesa mais que o necessário. O volume da música é baixo, assim posso ouvir o som de meus passos. As folhas de bambu balançam ao vento. Uma senhora cruza meu caminho. Seu olhar cruza o meu. Um olhar sofrido. Aceno timidamente com a cabeça, como que diz bom dia sem mover os lábios. Ela retribui mais timidamente ainda e aperta o passo. Ao longe, vejo-a subir no ônibus. Vejo copos de papel pelo gramado. Um maço de cigarros vazio. Uma embalagem de sorvete. Penso no que eu disse outro dia a um grupo de jovens, sobre porque jogamos lixo nas ruas. Quando dou pro mim, já estou novamente entre os bambuzais. As folhas rodopiam no chão, misturam-se à areia. Outros dois estudantes dividem o trecho comigo. Suas mochilas também parecem pesar mais que o necessário. Conversam sobre algo que não consigo compreender, suas palavras misturam-se à letra da música que ouço. A música fala de um amor qualquer. Os estudantes riem. Há uma cumplicidade. No serás capaz de odiarme. Enquanto o refrão da música me faz pensar em tantas coisas já vividas, os estudantes seguem em frente. Eu faço a curva. Pelos vidros vejo as estantes, os livros. Entrei poucas vezes naquela biblioteca. Deveria entrar mais, penso. A playlist joga com minhas ideias. As pernas seguem o trajeto. Olho para a bandeira que tremula. Janelas de escritórios, gabinetes. O centro de poder é feito de concreto e vidro, a biblioteca de vidro e metal. O lago é falso. Artificial. Mas não deixa de ser belo. As ondulações da água refletem o tímido sol que se esconde atrás de nuvens. A timidez do sol, a minha timidez, a timidez daquela senhora. O farol está vermelho para mim. Me obriga a parar. As pessoas nos carros continuam a me olhar com indignação. Luz verde, cruzo a avenida. Vejo o apresentador do jornal chegando à TV. Seu rosto é familiar. Mas não faço ideia de sua vida, de sua trajetória, de quem seja. Penso em quantas pessoas realmente me conhecem. 4 Non Blondes começa a tocar. Banda de uma música só. O cheio de diesel continua no ar, a fábrica e os caminhões olham para mim e me perguntam: what’s going on? Ou será a música? Em frente a universidade pública, um carro se joga contra mim. E me xinga. Ousadia minha transitar justo na hora que sua máquina e sua pressa cruzam a calçada. O susto me traz de volta sem que eu pudesse responder à fábrica, aos caminhões ou à música. A portaria do condomínio está, agora, a poucos metros. Retiro os fones de ouvido e um estranho silêncio se faz…

Confissões

55 metros quadrados…

Posted by Edgar on

Me dei conta, esses dias, que faz um ano que estou neste apartamento. Quando resolvi comprá-lo, minha principal preocupação era se eu me habituaria à vida em 55 metros quadrados! Sem quintal! Pois bem, o fato é que o ambiente compacto me agradou. Sou uma criatura acostumada a me deixar espalhado por ai, quanto menos espaço, menos bagunça! Mentira, a bagunça não tem limites… mas isso é outra história.

Eu já buscava uma forma mais minimalista (mais?) de viver. A limitação espacial contribuiu para o desapego de algumas quinquilharias. Os móveis planejados ajudam, otimizam o uso do espaço e, no fim das contas, o cubículo ficou funcional e aconchegante. Já tive uma casa de 200 metros quadrados, dois andares, garagem para 5 carros, quintal gramado e blá, blá blá… outros tempos. Não sinto falta. Já desenvolvi uma relação de afetuosidade com este cantinho.

Viver nos 55 metros quadrados tem sido divertido, já a vida em condomínio, essa sim me levou a outro nível de compreensão da humanidade…

Percebi que os donos de cães, por mais biodegradáveis que sejam as fezes dos seus entes queridos, não acham desagradável ver um cocozinho definhando até se cumprir a passagem do pó vieste ao pó voltarás… Ainda que se aponte o fato nos grupos das redes sociais, existe uma cumplicidade estranha. Ainda que sejam poucos os moradores que deixam ao deus dará os restos fecais de seus pimpolhos caninos, aqueles que não o fazem, suavizam o ato, pois, ao meu ver, vá que o seu totó deixe para trás aquele cocozinho justo no dia que o dono esqueceu a sacolinha… melhor é ver as crianças do condomínio, sobretudo as pequenas, vez ou outra, pegando o cocozinho seco achando que é uma pedrinha, um galhinho, ou sei lá o quê…

Por falar em crianças, escolhi o mesmo condomínio que todos os casais recém casados e com seus rebentos recém paridos escolheram… a depender do horário, há uma sinfonia de choros. Não me incomoda, falo sério. 20 anos morando na rua da feira, na esquina onde as cândinhas do bairro se punham a debater os detalhes das vidas alheias, criaram em mim uma tolerância ao burburinho. Às vezes, a noite, acordo com o som do choro de um bebê com dor de dente, barriga ou com pura birra. Tranquilo, aproveito para ver o Tinder, tentar dar uns likes, e volto a dormir…

Por falar em likes, fora os casais recém casados com seus rebentos recém paridos, há muitos estudantes. Afinal, meu condomínio fica a 500m de uma universidade pública. À época da compra, pensei, isso será um mar de bacanais, festas, orgias, gente pelada na piscina. Ledo engano. Acho que esses estudantes são todos um bando de CDFs… bom, quase todos, vez ou outra, no transcurso do estacionamento ao meu bloco, em um bloco em específico, a brisa que emana pelo passeio denuncia os rituais ao deus Jah… mas nada de universitárias nuas na piscina… talvez os filmes dos anos 80 tenham criado um campo de distorção da realidade neste jurássico que vos escreve…

E por falar em piscina. Nunca a usei. Esta lá. No único fim de semana que eu me aventurei a dar uma sapeada na piscina, descobri que eu e mais 108 pessoas, 107 não moradoras, tiveram a mesma ideia. Vale destacar que as dimensões da piscina comportam, talvez, 25 pessoas. Não é nem a alta concetração de urina na água que me desmotiva. Sou criatura aquática, adoro dar minhas braçadas, mergulhos e tals… mas, na companhia de 1 morador e seus 107 convidados, há o grande risco de acertar a careca do tio José numa braçada, ou de vir, num mergulho, de encontro ao nariz, agora ensanguentado, do netinho de vovó Valentina, ou, ainda, no limite do perigo, de ser encoxado por dona Marta, aquela dona Marta das tirinhas do Glauco, no diminuto espaço entre a escadinha e a quina da piscina…

Acho que deu por hoje!

E.

Confissões

Eu ia…

Posted by Edgar on

Eu ia escrever algo, mas resolvi guardar para mim.
Às vezes é assim, o texto brota na cabeça.
Numa curva ou outra do caminho para casa, as palavras ganham vida.
Já em casa, na segunda volta da chave na fechadura, surge o título.
Entre descalçar os tênis e pegar um copo d’água, algo acontece.
Login no MacOS… Login no WordPress…
Um suspiro. As palavras me jogam contra a parede.
O diálogo interno, um inferno.
Eu ia escrever algo.
Resolvi guardar…
Em mim.

E.

Crônicas

Copos cheios…

Posted by Edgar on

É sempre bom lembrar
que um copo vazio
está cheio de ar…

(Gilberto Gil)

Sobre a mesa, um copo. De vidro. Transparente. O copo está lá, ele o olha absorto. Estava vazio. Não se recorda o que havia no copo. Cerveja, suco de laranja, groselha? Talvez água. A verdade é que não se recordava nem mesmo há quanto tempo o copo lá estava. Tinha por hábito lagar os copos pela casa. Só se lembrava de recolhe-los quando já não havia mais nenhum outro no armário. Eram copos de todos os tipos. Copos bonitos, feios, grandes, pequenos. Alguns foram ganhos, outros roubados. E havia os de requeijão. Aquele sobre a mesa era apenas mais um copo cheio de ar. Ar à espera do despejo de si por algum liquido ali despejado. Absorto a olhar o copo, a sua memória transbordou…

Lembrou-se do aluno. O aluno que lhe indagava sobre o universo, sobre os mistérios impróprios à filosofia. O aluno cujos pais tinham por função ignorá-lo. O aluno cujos amigos tinham por prazer atormentá-lo. Lembrou-se daquele copo cheio de sonhos, de talentos. Aquele copo que todos diziam vazio. O copo que num dia cinzento, rompeu-se. Estilhaçou-se em fezes nas paredes do banheiro masculino. Tirou de dentro de si tudo aquilo que diziam que ele era. Escreveu nas paredes todos os excrementos verbais que ouvira com seu próprio excremento. Tudo o que aquele copo queria era ser um corpo, um alguém. Tudo o que lhe permitiram foi ser um copo cheio de dor, de raiva, um copo que, vez ou outra, indagava sobre o universo, sobre os mistérios impróprios à filosofia…

Lembrou-se da garota. A garota que, ignorando que todos o ignoravam, sorriu-lhe. Sorriu-lhe ainda que não tivesse motivos para sorrir. A garota que lhe contou seus segredos mais íntimos. Segredos que a faziam chorar todas as noites. Chorar por sua impotência adolescente contra um mundo adulto. Um copo trincado por tantas quedas. O copo que, num dia sangrento, pôs para fora aquilo que lhe meteram à força. Tudo o que aquele copo queria era ter seu corpo de volta. Um corpo que lutava para não transparecer suas trincas. Um corpo que escondia-se em sua beleza maquiada. Um corpo cujas lágrimas encharcaram seu ombro. Um corpo trêmulo. Um corpo que lhe sorriu e sobre quem despejou suas lágrimas. Lágrimas que ainda escorrem dos seus olhos quando pensa nela. Aquela garota que em uma noite ensinou-lhe o que ele jamais poderia saber por si só…

Quando deu por si, estava com o copo entre as mãos. Olhou no seu interior e, depois de um longo suspiro, deixou-o cair ao chão. O barulho preencheu o silêncio do cômodo. Os cacos se espalharam pelo piso. Recolheu um dos cacos e levou-o a contra-luz.

Não era mais um copo, não estava mais vazio.

E.

Reflexões

Apenas mais um texto escrito na madrugada…

Posted by Edgar on

A gente encontra insights nos momentos mais inesperados. Às vezes, de pessoas inesperadas. Curioso.

Fechei uma janela e abri outra. Ou seriam abas do navegador? Pouco importa. Enquanto o cão que late todas as madrugadas segue fiel a sua tarefa, eu olho pela janela do apartamento e vejo as luzes que iluminam a deserta avenida. A janela do apartamento, a janela do computador. Janelas… através das janelas podemos ver e apenas ver. A luz âmbar envolve-se no sereno da madrugada, cria um efeito leitoso, um facho se abre. Não posso tocá-la, para isso seria preciso estar lá e não aqui.

Janelas! Escrever é um ato solitário. Mas é, ao mesmo tempo, uma conexão. Raramente escrevo pensando em quem vai ler o que eu escrevo, embora eu saiba que, eventualmente, alguém lerá. O que eu quero dizer é que raramente escrevo pensando em um leitor. Raramente…

Janelas… um carro passa pela avenida. Teria seu motorista reparado que há uma janela acesa (ao menos uma, a minha, supondo que as demais estejam, como manda o ritmo da noite, apagadas… divagações). A vida acontece em tantas instâncias, o aparente deserto da avenida é só um momento. Fugaz momento, daqui algumas horas estará cheia de pessoas indo e vindo… pessoas indo e vindo.

Certa vez, numa palestra sobre Epicuro, ouvi a frase “depois de uma certa idade, acumular amigos é melhor que acumular dinheiro”. Eu não me recordo o contexto em que foi dita, mas era a defesa de um argumento, pouco importa. Na época concordei. Hoje, tenho minhas ressalvas. Acumular não me parece o termo certo. Amigos vêm e vão, são como as pessoas na avenida, indo e vindo… E há momentos desertos também.

Cultivar. Cuidar. Querer… verbos. Acho que o cão cansou, ou o seu latido já não me incomoda mais. Perdeu-se ao fundo. O céu lá fora começa a ganhar novas cores. Logo amanhece. Logo eu fecho as cortinas e adormeço no sofá. Ou a bateria do computador acaba, das duas uma… não sei se conseguirei terminar este texto. Não sei que fim ele poderia ter.

Talvez deixe-o em aberto…

Confissões

Nem sonetos, nem poesias, nem canções…

Posted by Edgar on

A noite me convida a refletir, é hora de escrever. Escrever todo o fluxo de palavras que passei o dia, mais que moendo e remoendo, ruminando. Escrever é um despir-se…

Eu poderia invocar canções do Oswaldo, sonetos do Vinicius ou, ainda, poesias do Pessoa. Todas elas diriam algo sobre o que sinto e todas elas diriam nada sobre de quem sou. Despir-se, quando se trata d’alma, é um ato pessoal e solitário…

Minh’alma. Tormenta e tormento. Rodeios…

Momentos. É disso que a vida é feita. A vida é feita de momentos. E momentos são fragmentos que comportam duas propriedade, a saber: são únicos e são sinceros. Todo momento comporta uma exclusividade. Momentos são únicos. Puf, foi! Todo momento é uma expressão sincera d’alma. Momentos são verdadeiros. Se não forem, não são momentos, são simulacros.

As palavras ditas nos momentos que nos compõem têm vida, têm a energia vital, potência convertida em ato. Momentos não eram, nem serão, momentos apenas são. Olhar para os momentos de outrora nada mais é que uma releitura, registrados na memória, os momentos podem ser relidos, queridos ou odiados, mas jamais revividos. Buscar o momento no futuro é inútil. Não planejamos o momento, não o antecipamos, ainda que possamos acreditar que isso seja possível, pensar no momento que está por vir é a melhor forma de perder o momento que é.

A duração de um momento pode ser medida em termos físicos e psicológicos, mas em ambos os casos, há uma terceira propriedade do momento, a finitude. Momentos acabam. Não se extinguem, são sucedidos por novos momentos, nunca iguais, nunca repetidos e cujos significados não pode ser comparados.

Viver intensamente o momento depende de compreendê-los em sua natureza. Podemos tentar viver na lembrança do passado, podemos tentar viver na expectativa do futuro, mas o momento é a única forma real de viver.

Este texto, neste momento, não é um mea culpa.
Cada momento nosso foi único e sincero.
Me serão sempre queridos.

E.

Reflexões

dualidades, dualismos, duelos…

Posted by Edgar on

Fiat lux! E, separada das tervas, a luz se fez. Se fez? Fez-se a si mesma? Ou foi feita? Pouco importa, não era sobre isso que eu queria escrever…

Há dias que a noite nos convida ao abandono da rotina, nos convida à inversão dos horários e, ainda que tentemos negar, sucumbimos. Há dias em que a noite é nossa melhor amiga. Há dias que não. Dias e noites, dualidades.

Dualidades são a base do pensamento ocidental. Não necessariamente opostas, como quer o maniqueísmo de alguns, não necessariamente complementares, como quer a filosofia de outros. Dualismos, duelos… disputas binárias entre lados, colados ou opostos, afinal, extrema se tangunt, pero no mucho.

Às vezes minha mente divaga. E um riso interno se desponta, “às vezes”? Divagar é o caminhar distraído da mente por si mesma, uma condição de sua existência, eu diria. Mas eu dizer algo e nada é quase o mesmo, afinal, quem sou eu? Um zé qualquer… mentira, para ser zé teria, antes, de ser José, o que não é o caso. Devagar, seu Edgar. Ou dêgar, como se diz na minha família, ou em parte dela… dê-vá-gar… divagar, divagando… pobres almas que me lêem.

Should I stay or should I go. The Clash. Quando a banda se chama “the clash”, pouco importa se vou ou se fico, o impacto é certeiro. Irônico. Intencional. Vá saber. A grande vantagem da semiótica é ver o que se quiser ver. Me lembro de uma aula no mestrado. Nela o professor dizia que, uma vez terminado o texto, ele não nos pertence mais. Cada um lê o que quer ler. Na aula o professor citava alguém cujo o nome me escapa, alguém que ao ler uma resenha sobre um livro seu disse “eu não disse nada disso”. Desvios, afinal, não era disso que eu queria falar.

Hell or High Water? Essa é do KISS. Tocou justamente enquanto eu escrevia o parágrafo acima. Ironia? Intencional? Vá saber… segundo o oráculo, a expressão hell or high water pode ser traduzida por chova ou faça sol, doesn’t matter, como diria meu amigo Rafael. Dualismos reduzidos a um corolário. Duelamos cotidianamente. Entre isso ou aquilo. Entretanto, há quem diga que as coisas não são simples assim, preto no branco… existem os 50 tons de cinza. 50? Só 50? Ilusões, os tons, sejam de cinza, sejam de lilás, verde ou da sua cor preferida, são meras variações de luminosidade… mais luz, mais claro, menos luz, mais escuro… o degradê é apenas um efeito da luz sobre a cor. Luz? Não foi com isso que eu comecei o texto? Faça-se a luz…

Se você me acompanha até aqui, já deveria ter deixado isso de lado e ir fazer algo útil de sua vida. Ah, dualidades… Útil, inútil. Há quem ganhe a vida num fretado para outra cidade, há quem a perca nele. Eu já vivi essa vida. Dualidades, duas cidades, o trabalho útil, o sentimento inútil. Nessa época eu tinha um walkman e uma fita K7 do Bruce Springsteen. Todos os dias, úteis, com a cabeça colada no vidro sujo do ônibus, eu ouvia The River sem prestar muita atenção na letra. “Now all them things that seemed so important / Well mister they vanished right into the air“. Um dia decidi abandonar o rio. Tolo, nessa época eu ainda não conhecia Heráclito. O rio nunca é o mesmo, mas é sempre um rio.

Rio. Rio de mim mesmo. Muitas vezes. Rir de si mesmo é um santo remédio. Há quem se leve muito a sério. E, por favor, não confunda fazer as coisas com seriedade com ser sério. Há uma fundamental diferença. Rir de si mesmo é um exercício de auto conhecimento, coisa socrática, mas ai eu teria de explicar Sócrates, e, na moral, não estou afim.

Fim.

😉

Filosofadas

Microvidas

Posted by Edgar on

Sentei-me à mesa do escritório acompanhado de uma xícara de café. Na tela do computador, um universo de fragmentos. Uma frase aqui, uma foto ali, um verso, uma rima, uma canção, uma reclamação, uma indireta, uma direta, um lamento… como diria aquele amigo de outros tempos, e assim vai. Assim segue a vida, uma microvida, microscópica diante da imensidão de tudo aquilo que não cabe na resolução do monitor e, ainda assim, macroscópica frente a este segundo que acaba de passar. Microvida, uma vida pequena, pequenina, pequenininha. Uma vidinha? Não! A vida não se apequena no ciberespaço. Fragmentos. Nossas vidas acontecem em fragmentos e estes sim, são partículas, pequenas partes. Há aquela (micro)vida da escola, da universidade, do trabalho, da família, da boemia e até mesmo aquela (micro)vida da solidão. Vidas fragmentadas em pequenos momentos, frações. Fragmentada pelas horas que o relógio nos toma em cada uma das nossas microvidas, microcosmos, microcaos… Não, a vida não se apequena, ela é apenas um amontoado de pequenos momentos, tal qual os átomos quem nos compõem. O ciberespaço é só mais um espaço onde as microvidas transitam. Da tela do celular para o gole com os amigos, da tela do computador para os beijos da amada, da tela do notebook para os tiros deflagrados contra inocentes, por detrás de cada tela, uma microvida. A vida, aquela maior, a que se coloca nos cantos metafísicos da religião, essa vida escapa-nos pelo vão dos dedos. Essa, a macrovida, só pode ser pensada, ponderada, refletida, filosofada (filosofiada)… a vida é uma coleção de momentos. Este momento, no qual escrevo estas poucas palavras, é apenas mais um momento, uma microvida que faz sentido dentro dele e que, fora dele, talvez tenha a mesma importância que dois átomos de hidrogênio que perambulam por um quasar qualquer, a trilhões de anos-luz daqui… a pequeneza da vida não está na sua fragmentação, sua pequeneza, já disse o poeta, está n’alma, mas isso é assunto para outra microvida.

😉 EdGar

Confissões/Reflexões

O som do silêncio…

Posted by Edgar on

And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more
People talking without speaking
People hearing without listening

The sound of silence, Simon & Garfunkel

Olá blog, meu velho amigo.

Meu silêncio te constrange, eu sei. Ultimamente tem sido mais fácil escrever nos murais sociais, expostos, postos de vigilância, locais de fácil acesso e fácil digestão. Locais onde o silêncio se implanta. Aquele silêncio tão profundo que o seu som se perde. Hoje eu acordei com o som daquele silêncio ecoando na minha mente. Na verdade, blog, eu o tenho ouvido em muitas manhãs. Sobretudo nessas últimas manhãs frias de um quase inverno, atípico, que nos soterra nas cobertas e draga toda a vontade de explorar o mundo. Nessas manhãs, imerso em meus pensamentos, o som pulsa mais forte. Perturbá-lo requer mais do que estamos dispostos a dar… tenho ouvido muito essa antiga canção. Já a ouvi muitas e muitas vezes desde minha adolescência, mas poucas vezes parei para escutá-la. Talvez hoje, blog, eu tenha melhores ouvidos para escutá-la. Seria uma forma poética de me confortar, mas isso não passa de uma bela mentira. Hoje, blog, o que eu tenho é um acumulo de imagens vistas nas ruelas de paralelepípedos que eu percorri. Imagens de uma vida que só coube a mim viver. Imagens e escuridão. Essa canção, The Sound of Silence, fala de coisas que eu custei a entender. Coisas que eu frequentemente esqueço. Por isso, caro blog, me desculpe a ausência, mas eu vim conversar com você novamente.

Há um emaranhado de coisas que brotam da mente. Um turbilhão de pensamentos que jamais serão registrados. Ideias que jamais ganharão corpo. E, no fundo, a pergunta que se desdobra em minha mente é: e que importância isso tem? Nenhuma? Pouca? Não sei. Talvez seja tudo uma questão de escala. No meu microcosmo, há muito o que dizer, mas hoje é um daqueles domingos em que eu acordo flutuando na imensidão do espaço sideral, onde a Terra é nada mais que um pálido ponto azul perdido entre tantos outros pontos de luz. Pontos que meu olhar insiste em ignorar, pois é a escuridão profunda do espaço que me chama à atenção. A matéria escura, os buracos negros. Nessa escala, nada do que eu tenho a dizer importa. Bilhões de anos me separam de uma singularidade. Trilhões de estrelas nascem e morrem sem que ninguém soubesse, saiba, ou venha a saber delas. O espaço é silencioso. E imerso nele, as palavras silenciam.

Assim como essas estrelas, a maioria de minhas ideias morrem dentro do meu microcosmo cerebral, sem que ninguém as ouça ou leia. E, sinceramente blog, isso pouco importa. Talvez o grande exercício da escrita seja o diálogo consigo mesmo. As pessoas, os outros, são apenas transeuntes numa avenida a qual todos transitam. Escritores de páginas que ninguém compartilha. Páginas que não se encontram nas listas telefônicas nem nos resultados do Google. Talvez, meu velho e caro blog, a única pessoa para a qual escrevemos é para nós mesmos. E isso me soa tão ridículo agora, pois você, blog, com quem eu converso agora, nem é uma pessoa. Talvez seja. Olá, escuridão.

O cursor piscando, as mãos sobrepostas sustentando o queixo. A tecla delete pressionada mais vezes que o desejado. A escrita me desafia. Olho para a janela e vejo as folhas verdes do grande parque que me cerca. Parque no qual eu deveria estar agora, respirando o ar fresco. Parque que ri dos meus cinquenta metros quadrados de espaço. Mas o parque também é um microcosmo insignificante diante da imensidão de um domingo como o que se forma dentro da minha mente. Alias, o parque é o refúgio de famílias corroídas pela poluição da cidade. Sorrisos falsos para fotos que irão passar a eternidade no cartão de memória. Falsos atletas que, como eu muitas vezes, diluem seus remorsos sedentários em duas voltas e pés sujos de terra. Falsos casais que desfilam de mãos dadas enquanto cobiçam os corpos que fazem cooper. Corpos falso, alias. O parque também está cheio do som do silêncio…

É, caro blog, foi bom te ver novamente.
Até um dia.