Andanças…
O caminho é sempre o mesmo. A playlist vai ao sabor da aleatoriedade. As pessoas nos carros olham-me com um ar indignado. Elas lá, presas em seus ares condicionados, eu cá, em meio a manhã, vagando… Há uma fábrica no meio do caminho. Caminhões, operários, o cheio de óleo diesel misturam-se com a brisa gelada. Ao meu lado, um estudante. Sua mochila pesa mais que o necessário. O volume da música é baixo, assim posso ouvir o som de meus passos. As folhas de bambu balançam ao vento. Uma senhora cruza meu caminho. Seu olhar cruza o meu. Um olhar sofrido. Aceno timidamente com a cabeça, como que diz bom dia sem mover os lábios. Ela retribui mais timidamente ainda e aperta o passo. Ao longe, vejo-a subir no ônibus. Vejo copos de papel pelo gramado. Um maço de cigarros vazio. Uma embalagem de sorvete. Penso no que eu disse outro dia a um grupo de jovens, sobre porque jogamos lixo nas ruas. Quando dou pro mim, já estou novamente entre os bambuzais. As folhas rodopiam no chão, misturam-se à areia. Outros dois estudantes dividem o trecho comigo. Suas mochilas também parecem pesar mais que o necessário. Conversam sobre algo que não consigo compreender, suas palavras misturam-se à letra da música que ouço. A música fala de um amor qualquer. Os estudantes riem. Há uma cumplicidade. No serás capaz de odiarme. Enquanto o refrão da música me faz pensar em tantas coisas já vividas, os estudantes seguem em frente. Eu faço a curva. Pelos vidros vejo as estantes, os livros. Entrei poucas vezes naquela biblioteca. Deveria entrar mais, penso. A playlist joga com minhas ideias. As pernas seguem o trajeto. Olho para a bandeira que tremula. Janelas de escritórios, gabinetes. O centro de poder é feito de concreto e vidro, a biblioteca de vidro e metal. O lago é falso. Artificial. Mas não deixa de ser belo. As ondulações da água refletem o tímido sol que se esconde atrás de nuvens. A timidez do sol, a minha timidez, a timidez daquela senhora. O farol está vermelho para mim. Me obriga a parar. As pessoas nos carros continuam a me olhar com indignação. Luz verde, cruzo a avenida. Vejo o apresentador do jornal chegando à TV. Seu rosto é familiar. Mas não faço ideia de sua vida, de sua trajetória, de quem seja. Penso em quantas pessoas realmente me conhecem. 4 Non Blondes começa a tocar. Banda de uma música só. O cheio de diesel continua no ar, a fábrica e os caminhões olham para mim e me perguntam: what’s going on? Ou será a música? Em frente a universidade pública, um carro se joga contra mim. E me xinga. Ousadia minha transitar justo na hora que sua máquina e sua pressa cruzam a calçada. O susto me traz de volta sem que eu pudesse responder à fábrica, aos caminhões ou à música. A portaria do condomínio está, agora, a poucos metros. Retiro os fones de ouvido e um estranho silêncio se faz…