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Confissões

Eu ia…

Posted by Edgar on

Eu ia escrever algo, mas resolvi guardar para mim.
Às vezes é assim, o texto brota na cabeça.
Numa curva ou outra do caminho para casa, as palavras ganham vida.
Já em casa, na segunda volta da chave na fechadura, surge o título.
Entre descalçar os tênis e pegar um copo d’água, algo acontece.
Login no MacOS… Login no WordPress…
Um suspiro. As palavras me jogam contra a parede.
O diálogo interno, um inferno.
Eu ia escrever algo.
Resolvi guardar…
Em mim.

E.

Crônicas

Copos cheios…

Posted by Edgar on

É sempre bom lembrar
que um copo vazio
está cheio de ar…

(Gilberto Gil)

Sobre a mesa, um copo. De vidro. Transparente. O copo está lá, ele o olha absorto. Estava vazio. Não se recorda o que havia no copo. Cerveja, suco de laranja, groselha? Talvez água. A verdade é que não se recordava nem mesmo há quanto tempo o copo lá estava. Tinha por hábito lagar os copos pela casa. Só se lembrava de recolhe-los quando já não havia mais nenhum outro no armário. Eram copos de todos os tipos. Copos bonitos, feios, grandes, pequenos. Alguns foram ganhos, outros roubados. E havia os de requeijão. Aquele sobre a mesa era apenas mais um copo cheio de ar. Ar à espera do despejo de si por algum liquido ali despejado. Absorto a olhar o copo, a sua memória transbordou…

Lembrou-se do aluno. O aluno que lhe indagava sobre o universo, sobre os mistérios impróprios à filosofia. O aluno cujos pais tinham por função ignorá-lo. O aluno cujos amigos tinham por prazer atormentá-lo. Lembrou-se daquele copo cheio de sonhos, de talentos. Aquele copo que todos diziam vazio. O copo que num dia cinzento, rompeu-se. Estilhaçou-se em fezes nas paredes do banheiro masculino. Tirou de dentro de si tudo aquilo que diziam que ele era. Escreveu nas paredes todos os excrementos verbais que ouvira com seu próprio excremento. Tudo o que aquele copo queria era ser um corpo, um alguém. Tudo o que lhe permitiram foi ser um copo cheio de dor, de raiva, um copo que, vez ou outra, indagava sobre o universo, sobre os mistérios impróprios à filosofia…

Lembrou-se da garota. A garota que, ignorando que todos o ignoravam, sorriu-lhe. Sorriu-lhe ainda que não tivesse motivos para sorrir. A garota que lhe contou seus segredos mais íntimos. Segredos que a faziam chorar todas as noites. Chorar por sua impotência adolescente contra um mundo adulto. Um copo trincado por tantas quedas. O copo que, num dia sangrento, pôs para fora aquilo que lhe meteram à força. Tudo o que aquele copo queria era ter seu corpo de volta. Um corpo que lutava para não transparecer suas trincas. Um corpo que escondia-se em sua beleza maquiada. Um corpo cujas lágrimas encharcaram seu ombro. Um corpo trêmulo. Um corpo que lhe sorriu e sobre quem despejou suas lágrimas. Lágrimas que ainda escorrem dos seus olhos quando pensa nela. Aquela garota que em uma noite ensinou-lhe o que ele jamais poderia saber por si só…

Quando deu por si, estava com o copo entre as mãos. Olhou no seu interior e, depois de um longo suspiro, deixou-o cair ao chão. O barulho preencheu o silêncio do cômodo. Os cacos se espalharam pelo piso. Recolheu um dos cacos e levou-o a contra-luz.

Não era mais um copo, não estava mais vazio.

E.

Reflexões

Apenas mais um texto escrito na madrugada…

Posted by Edgar on

A gente encontra insights nos momentos mais inesperados. Às vezes, de pessoas inesperadas. Curioso.

Fechei uma janela e abri outra. Ou seriam abas do navegador? Pouco importa. Enquanto o cão que late todas as madrugadas segue fiel a sua tarefa, eu olho pela janela do apartamento e vejo as luzes que iluminam a deserta avenida. A janela do apartamento, a janela do computador. Janelas… através das janelas podemos ver e apenas ver. A luz âmbar envolve-se no sereno da madrugada, cria um efeito leitoso, um facho se abre. Não posso tocá-la, para isso seria preciso estar lá e não aqui.

Janelas! Escrever é um ato solitário. Mas é, ao mesmo tempo, uma conexão. Raramente escrevo pensando em quem vai ler o que eu escrevo, embora eu saiba que, eventualmente, alguém lerá. O que eu quero dizer é que raramente escrevo pensando em um leitor. Raramente…

Janelas… um carro passa pela avenida. Teria seu motorista reparado que há uma janela acesa (ao menos uma, a minha, supondo que as demais estejam, como manda o ritmo da noite, apagadas… divagações). A vida acontece em tantas instâncias, o aparente deserto da avenida é só um momento. Fugaz momento, daqui algumas horas estará cheia de pessoas indo e vindo… pessoas indo e vindo.

Certa vez, numa palestra sobre Epicuro, ouvi a frase “depois de uma certa idade, acumular amigos é melhor que acumular dinheiro”. Eu não me recordo o contexto em que foi dita, mas era a defesa de um argumento, pouco importa. Na época concordei. Hoje, tenho minhas ressalvas. Acumular não me parece o termo certo. Amigos vêm e vão, são como as pessoas na avenida, indo e vindo… E há momentos desertos também.

Cultivar. Cuidar. Querer… verbos. Acho que o cão cansou, ou o seu latido já não me incomoda mais. Perdeu-se ao fundo. O céu lá fora começa a ganhar novas cores. Logo amanhece. Logo eu fecho as cortinas e adormeço no sofá. Ou a bateria do computador acaba, das duas uma… não sei se conseguirei terminar este texto. Não sei que fim ele poderia ter.

Talvez deixe-o em aberto…

Confissões

Nem sonetos, nem poesias, nem canções…

Posted by Edgar on

A noite me convida a refletir, é hora de escrever. Escrever todo o fluxo de palavras que passei o dia, mais que moendo e remoendo, ruminando. Escrever é um despir-se…

Eu poderia invocar canções do Oswaldo, sonetos do Vinicius ou, ainda, poesias do Pessoa. Todas elas diriam algo sobre o que sinto e todas elas diriam nada sobre de quem sou. Despir-se, quando se trata d’alma, é um ato pessoal e solitário…

Minh’alma. Tormenta e tormento. Rodeios…

Momentos. É disso que a vida é feita. A vida é feita de momentos. E momentos são fragmentos que comportam duas propriedade, a saber: são únicos e são sinceros. Todo momento comporta uma exclusividade. Momentos são únicos. Puf, foi! Todo momento é uma expressão sincera d’alma. Momentos são verdadeiros. Se não forem, não são momentos, são simulacros.

As palavras ditas nos momentos que nos compõem têm vida, têm a energia vital, potência convertida em ato. Momentos não eram, nem serão, momentos apenas são. Olhar para os momentos de outrora nada mais é que uma releitura, registrados na memória, os momentos podem ser relidos, queridos ou odiados, mas jamais revividos. Buscar o momento no futuro é inútil. Não planejamos o momento, não o antecipamos, ainda que possamos acreditar que isso seja possível, pensar no momento que está por vir é a melhor forma de perder o momento que é.

A duração de um momento pode ser medida em termos físicos e psicológicos, mas em ambos os casos, há uma terceira propriedade do momento, a finitude. Momentos acabam. Não se extinguem, são sucedidos por novos momentos, nunca iguais, nunca repetidos e cujos significados não pode ser comparados.

Viver intensamente o momento depende de compreendê-los em sua natureza. Podemos tentar viver na lembrança do passado, podemos tentar viver na expectativa do futuro, mas o momento é a única forma real de viver.

Este texto, neste momento, não é um mea culpa.
Cada momento nosso foi único e sincero.
Me serão sempre queridos.

E.

Reflexões

dualidades, dualismos, duelos…

Posted by Edgar on

Fiat lux! E, separada das tervas, a luz se fez. Se fez? Fez-se a si mesma? Ou foi feita? Pouco importa, não era sobre isso que eu queria escrever…

Há dias que a noite nos convida ao abandono da rotina, nos convida à inversão dos horários e, ainda que tentemos negar, sucumbimos. Há dias em que a noite é nossa melhor amiga. Há dias que não. Dias e noites, dualidades.

Dualidades são a base do pensamento ocidental. Não necessariamente opostas, como quer o maniqueísmo de alguns, não necessariamente complementares, como quer a filosofia de outros. Dualismos, duelos… disputas binárias entre lados, colados ou opostos, afinal, extrema se tangunt, pero no mucho.

Às vezes minha mente divaga. E um riso interno se desponta, “às vezes”? Divagar é o caminhar distraído da mente por si mesma, uma condição de sua existência, eu diria. Mas eu dizer algo e nada é quase o mesmo, afinal, quem sou eu? Um zé qualquer… mentira, para ser zé teria, antes, de ser José, o que não é o caso. Devagar, seu Edgar. Ou dêgar, como se diz na minha família, ou em parte dela… dê-vá-gar… divagar, divagando… pobres almas que me lêem.

Should I stay or should I go. The Clash. Quando a banda se chama “the clash”, pouco importa se vou ou se fico, o impacto é certeiro. Irônico. Intencional. Vá saber. A grande vantagem da semiótica é ver o que se quiser ver. Me lembro de uma aula no mestrado. Nela o professor dizia que, uma vez terminado o texto, ele não nos pertence mais. Cada um lê o que quer ler. Na aula o professor citava alguém cujo o nome me escapa, alguém que ao ler uma resenha sobre um livro seu disse “eu não disse nada disso”. Desvios, afinal, não era disso que eu queria falar.

Hell or High Water? Essa é do KISS. Tocou justamente enquanto eu escrevia o parágrafo acima. Ironia? Intencional? Vá saber… segundo o oráculo, a expressão hell or high water pode ser traduzida por chova ou faça sol, doesn’t matter, como diria meu amigo Rafael. Dualismos reduzidos a um corolário. Duelamos cotidianamente. Entre isso ou aquilo. Entretanto, há quem diga que as coisas não são simples assim, preto no branco… existem os 50 tons de cinza. 50? Só 50? Ilusões, os tons, sejam de cinza, sejam de lilás, verde ou da sua cor preferida, são meras variações de luminosidade… mais luz, mais claro, menos luz, mais escuro… o degradê é apenas um efeito da luz sobre a cor. Luz? Não foi com isso que eu comecei o texto? Faça-se a luz…

Se você me acompanha até aqui, já deveria ter deixado isso de lado e ir fazer algo útil de sua vida. Ah, dualidades… Útil, inútil. Há quem ganhe a vida num fretado para outra cidade, há quem a perca nele. Eu já vivi essa vida. Dualidades, duas cidades, o trabalho útil, o sentimento inútil. Nessa época eu tinha um walkman e uma fita K7 do Bruce Springsteen. Todos os dias, úteis, com a cabeça colada no vidro sujo do ônibus, eu ouvia The River sem prestar muita atenção na letra. “Now all them things that seemed so important / Well mister they vanished right into the air“. Um dia decidi abandonar o rio. Tolo, nessa época eu ainda não conhecia Heráclito. O rio nunca é o mesmo, mas é sempre um rio.

Rio. Rio de mim mesmo. Muitas vezes. Rir de si mesmo é um santo remédio. Há quem se leve muito a sério. E, por favor, não confunda fazer as coisas com seriedade com ser sério. Há uma fundamental diferença. Rir de si mesmo é um exercício de auto conhecimento, coisa socrática, mas ai eu teria de explicar Sócrates, e, na moral, não estou afim.

Fim.

😉